quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Enade e nada

Eu participei do Enade esse ano. Compareci em um belo domingo de sol para exercer minha função de estudante.
Não quero comentar da prova. Até porque, o que menos me chateou no domingo foi a prova.
A minha vida estudantil se fez toda em escolas públicas. Conheci o universo das instituições particulares, somente quando ingressei no terceiro grau.
Não estou fazendo questionamentos de valores, muito menos menosprezando ensino, nem "pintando" de coitadinha.
Consegui como muitos, prestando vestibular e ralando à beça para pagar. Não foi fácil, mas também ninguém disse que seria.
Claro que com o passar dos meses em sala, você sente algumas diferenças. Algumas oportunidades que você perde, mas da pra levar na boa. Eu sempre levei e fiz muitos amigos. Amigos de todos os tipos, classes, cores, opções...pessoas. E gente daquelas que vale muito a pena conhecer.
Nunca tive vergonha de falar de onde morava, onde estudei, coisas que gostava...enfim de mim. Mas tudo isso aprendi ainda lá em casa, com meus pais, que sempre me ensinaram que não devemos diferenciar as pessoas.
Me criei em vila. Isso mesmo V-I-L-A! Hoje todos são bairros, mas na época era vila.
Cresci brincando na rua, jogando bola no pátio de casa, com rede improvisada de sacos de batata. Brinquei de pique, de subir em árvore, joguei caçador, pulei sapata e também elástico.
Comi goiaba tirada do pé na hora, andei de bicicleta e fiz amigos para vida toda. Crescemos juntos, brigamos, seguimos caminhos diferentes, mas seguimos amigos.
Lembro que quando o saneamento chegou lá na vila, foi uma festa. Para os adultos, enfim, chegava de esgoto a céu aberto, para as crianças uma farra completa, com canos gigantescos, nos quais corríamos e éramos felizes.
Pois bem, a vida é feita de escolhas. Eu escolhi dar sequencia aos estudos. Curso: Comunicação Social, sim acreditei ser capaz de mudar o mundo - idealista sim - mas com pés no chão.
Com tempo a gente aprende que não dá, mas isso é outra história...
Mas como ia dizendo, o que me incomodou foram meus colegas futuros comunicadores.
Nossa prova foi realizada em um dos bairros, considerados mais violentos de nossa cidade. Logo, pode-se pensar que existe também muita pobreza.
E esse foi o único pensamento que rondava a cabeça de meus ilustres colegas.
Meninas preocupavam-se em não levar bolsas, não irem maquiadas e procurar usar roupas "não tão boas". Meninos se indignavam em estar na "vila", perto daquele "tipo de gente".
Tipo de gente??? Existe tipos de gente???
Pior que isso, foi ouvir comentários do tipo: -"Olha essa casa?" ; "Olha essas crianças, parecem que nunca viram gente..." E tantos outros que prefiro poupar vocês.
As crianças nada além olhavam do que o movimento. Ou vão dizer que na rua onde moram, todos os domingos se forma um trânsito de ônibus? Ou ainda, um monte de gente frequentando uma escola ao domingo?
Dói!!! Definitivamente dói! Porque em nenhum momento pensaram, lembraram ou se preocuparam com as pessoas que ali vivem. Esqueceram que também ali mora gente que trabalha, estuda, gente bacana de verdade.
Eu tenho amigos lá e sim me senti ferida por eles. Melhor envergonhada, por essa gente tão distante da realidade existente. Tão indiferente com o que acontece logo ali depois de suas casas.
Que desconhece a própria cidade. E sim, se dizem pessoas de futuro, que farão do mundo um lugar melhor. Me desculpem mas não vão. Só sabem olhar para o seu umbigo e não lembra que existe o próximo. Belos comunicadores sociais!!!
Domingo de Enade e nada na cabeça de alguns.

2 comentários:

Alexandre Correia disse...

Olá Aline,

Compreendo tão bem o seu desapontamento com os seus colegas. É sinal de que a Aline cresceu e que eles ainda não viveram. Maturidade passa por sabermos distinguir o que é realmente importante na vida e não precisei de chegar aos meus 45 anos para descobrir isso. A vida é feita de experiências. Umas boas, outras nem por isso, outras ainda más, por vezes até muito más. Com o tempo, fui aprendendo a valorizar o que deve ser valorizado e a relativizar tudo o resto. Amor, saúde, dinheiro, até sexo, são coisas que muitas vezes só lhes descobrimos o valor quando não as temos; e há muita gente que precisava de sentir carência para encontrar uma outra forma de olhar para o mundo e para quem está à volta. Esse processo de aprendizagem é, por vezes, doloroso. Mas torna-nos melhores pessoas. E por muito que custe sentirmo-nos sós, porque damos conta que à nossa volta não há mais ninguém que comungue dos nossos valores, é um consolo sentirmo-nos bem connosco. Ao menos isso. Eu durmo bem. Profundamente, sem pesos. Não sou perfeito, longe disso, nunca quis ser, nem sequer sou santo. Mas muitas vezes, demasiadas até, sinto-me um bicho raro. Como a Aline se sentiu no bairro, quando percebeu que os seus colegas estavam tão incomodados. Diga para eles que rezem muito para que um dia não passem fome. Porque então vai ser bem maior a dor na alma do que no estômago. E eu sei do que falo...

Beijo,

Alexandre Correia

PS - Não mude. Persiga os seus sonhos. Não mudamos o mundo sozinhos, mas sempre damos uma ajuda!

Emilin Grings disse...

É um absurdo o preconceito que existe com os mais pobres. Assim como tu, eu também cresci em vila, estudei em colégio público. Nunca fui bem de vida.Se estou fazendo faculdade é porque eu e meus pais ralamos muito para isso. O problema é que tem gente que recebe tudo de mão beijada. Não dá valor ao quem tem e despreza os que não tem.

Muito bom texto, adorei.